segunda-feira, 9 de março de 2015

SAGA EPISTOLAR #2

Se eu encostar o Orgulho e a Vergonha aqui, neste início vazio de página, o que se segue, certamente, estará mais de acordo com a realidade - ou, pelo menos, mais à vontade com ela. Isso feito, vale advertir que nada garante que - na próxima linha, sentença ou parágrafo - meu total constrangimento não forçará um eventual retorno e subseqüente resgate. Neste caso, aviso que a manobra será tudo, menos declarada,  e que cabe a você, de tempo em tempo, retornar a esse ponto e checar haver uma lacuna, ou duas, em lugar dos castigados substantivos (em maiúsculo porque são próprios - de mim e de você). Isso dito e acordado, prossigamos:

Prometi uma carta feliz, mas me enganei. Eu queria prometer você feliz ao lê-la, o que é bastante diferente. Partindo daí, foi divertido imaginar a carta interceptada por um terceiro: ele roubando a felicidade que eu fiz pra você e colocando a carta vazia de volta no envelope, as palavras no mesmo lugar. Mas não, não tinha jeito disso acontecer, que a felicidade que eu te dou é só sua, codificada. Como um suspiro, que só arranca quem tem a chave.

Agora responde: felicidade se dissipa ou se transforma? O que você vai sentir, lendo essa mesma carta, em alguns anos?

Transforma, acho. Que o nada só é nada pra gente, que é dado a querer ver e tocar. Sentimento habita o mundo das invisibilidades. Lá, o nada não é melhor nem pior que ninguém.

Será que tudo que a gente vê, alguém não vê e vê, na primeira - essa de todos - e na segunda dimensão? O quadro é quadro, mas pra um olho treinado, pode ser também tristeza. Melhor: por hora, é tristeza - que mesmo o intocável não escapa ao implacável tempo.

Imagino então que gostar provenha da capacidade de ver e ver. Detestar também.
Nessa ótica, se apaixonar é ver e ver o outro, gostar do que vê e vê - ou só do segundo vê - e gozar da exclusividade que só é dada a alguns poucos. Um sentimento superficial, então, ou vê apenas tradicionalmente, ou, em segunda instância, é muito facilmente decodificável.

Onde eu quis chegar com esse devaneio, honestamente não sei dizer. Caso volte ao topo da página, verá que estou falando a verdade.

Preciso confessar que não sei fazer felicidade. Pelo menos não assim, deliberadamente. Imagino que seja como preparar doces, que se a colher se aventura sair do sentido horário para o anti, eles emprestam o verbo e fazem o que todas as coisas que andam não poderiam nem se quisessem: desandam. Digo porque bem sei:  não tem segredo de vó que salve um brigadeiro embolado.

Estou indo bem, Pipe? Que cara você está fazendo agora? Só vou saber com a sua resposta.

Vou fechar essa carta com uma dica prática, de uma pessoa não prática, para uma pessoa praticamente teórica:

Um dia eu estava triste e escrevi num papel: tristeza. E tive mesmo a sensação de que, não apenas ela a saiu de mim, como aquele papel tinha ficado triste.

Se eu escrever aqui - já escrevendo - “ metade da minha felicidade”, você aceita como sua?
Se bem que, justo é dizer: em parte, ela já é sua. É que eu não sei em você, mas você sabe fazer felicidade em mim.

De toda forma, fica o registro do meu primeiro presente invisível pra você. Depois você me conta se fez algum efeito.

Beijos,

Rachel Koerich
01/02/2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário