terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Me(lodia)

A saia de filó e o enorme raio, estampado na blusa, torceram o nariz da minha avó. Ela quis saber se aquilo era realmente necessário.

Como que o beijo na testa não a satisfizesse, neguei que fosse promessa -com promessa- e garanti: é meu estado de espírito. Cento e oitenta graus à esquerda e vi um nariz voltar ao eixo.

Saí de casa mesmo num lampejo, como se a natureza me apressasse. É que o trovão esperava na coxia.

Metalinguagem diverte: cantei a chuva de Otto que -gostosa no céu da boca- na(i)scia molhando as faces da terra- e a minha.

Dalí concluí que a escrita é uma arte incompleta. Não transita. Melodia tem pé e tem cabeça -marcha intransigente, pisa o pé do ouvido.

Eu só quero ser nota(da).

Viesse o raio acompanhado de sua partitura, se pudesse esperá-la, traria que significado?A luz corre à frente da moral da história- vitória mais desgostosa.

Cumpri minha trajetória assim: cheguei, sentei, fiquei, e -se ninguém me viu- eu não disse nada.

*Palmas para o trovão

Xiu!


Tem que fazer silêncio pro ronco da barriga falar.
E dá pra testar o coração: sussurra um nome, se ele nao bate e cala,
Faz silêncio e a gente ta vivo só porque tem fome.

Mas tudo bem,
Tem que fazer silêncio pra porca da porta do vizinho falar.
A porca não tem óleo e a gente não tem ouvido.

Faltou luz e porque não tem luz não tem barulho.
A gente, é muita gente, no escuro.
Tudo que é exterior é aqui dentro
E não importa meu cabelo desarrumado.

Tem que fazer silêncio, pro silêncio falar.
Mas o silêncio, faz silêncio.
Fala, quem não fala.
E o estômago repete que tá com fome.

Perna-para-sempre


A ideia vem assim, derrubando tudo.
Primeiro se é, depois se era.

Minha perna estava desse bege claro nada intertropical
E muito bem, eu e ela, até que veio essa outra (que não era perna)
Sem aviso, sem espera e, sobretudo, sem caneta
Definir a (ex) e a (his)tória:

A atenção estava na letra que -me- tocava e tocava -mais de uma vez-
E a direção do carro, bom, carente dela.

Eu pensava nele que não me pensava.
E daí, repito, veio.
Da mão direita, pro batom vermelho
Do batom vermelho, pra perna esquerda.

Eu te eternizo, ela disse; eu disse; e o batom.
E se suporto a pieguice, e o ar boçal da minha perna desde então,
É que eu não tenho nada, mas uma mão com vontade cravejante.

Apareça o ego dele - e ele- na minha frente,
E ignore a mim, meus atributos e minha perna-para-sempre, que eu digo:

Perde quem não vira prosa e poesia.

Pau, tesoura e pedra

Basta uma tesoura em mãos que logo me inspira a vontade de cortar os cabelos.

Quando criança, me divertia pensar que o máximo de perigo que uma tesoura podia oferecer, na ótica dos adultos, eliminava-se junto com a ponta.

Minhas travessuras cabiam numa tesoura embotada e ninguém suspeitava.

Certa vez cortei um naco do cabelo e joguei pela janela junto com um pedido. Esse naco veio a cair na varanda, frente aos pés da minha avó. Foi quando eu aprendi que meus cabelos não eram meus. - E que meu pedido, muito provavelmente, não se realizaria.

Os cabelos eram parte concreta de mim, tais quais meus braços e as minhas pernas, e por mais fascinante que pudesse ser mutilar-me sem que me doesse, entendi que a dor chegaria, cedo ou tarde, e na forma de um tamanco de madeira.

Quando cresci - ou a adolescência me fez pensar assim - virei dona do meu nariz e também dos meus cabelos: lavava-os displicentemente, não os penteava, deixava acumular nós e mais nós na minha nuca, e metia-lhes a tesoura quando tinha vontade. Não era bonito, mas era liberdade.

Daí em diante, minha vida resumiu-se em praticar uma série de pequenos delitos e deles extrair um prazer astuto e silencioso. Ao passo que o tamanco, demodê, esperava, em algum canto, sua compulsória aposentadoria, eu transgredia:

A cama bagunçada, o guarda-roupa, o banho quente, o sapato esquecido embaixo da pia do banheiro.

A revolução se fazia desordeira em pequenos passos.

Quando finalmente conquistei o direito de fazer da balbúrdia o meu reinado, resolvi ir mais longe: Passei a violar os princípios que, até então, tinha assumido como meus. E dei de fazer, principalmente fazer, o que não tinha vontade.

Repaginei-me - eu e a minha tesoura despontada - fiz de mim uma vitrine de recortes subversivos e dissidentes surrupiados de um e de outro mau exemplo. Ainda não era bonito.

Certo dia, acordei como que emergisse da morte. Fui a resgate de minha memória e ela não estava lá. O dia anterior seria mais um hiato na minha existência.

Foi quando descobri que, menos tangível que os meus cabelos, minha essência havia se emancipado. E contrária a eles, a dor do corte foi real, física, distinguível, lancinante.

Detive-me na cama por alguns instantes, tomada e dividida pela obsessiva idéia de fundir-me a ela ou esticar e ajustar seus lençóis e travesseiros.

Mais viável, optei pela segunda.

Depois dali, beberia 3 copos de água e arrumaria o guarda-roupa.

"O único modo de escapar ao abismo é observá-lo, e medi-lo, e sondá-lo e descer para dentro dele."

O lápis

Escora-se preguiçoso - resoluto - em meu calo.
A claridade incomoda.
É que não há nada de grotesco que permita-se revelar à luz.
Fora dela, desperto com um ranger nervoso, tímido, confuso de seus (de)limites.
Está feito.
Minha feiúra emerge enquanto durmo.